2017-8-09

NEGÓCIOS

Coluna Jurídica

Obras Criadas por Computadores

Desde a poesia criada pelo “Cibernetic Poet” às obras gráficas produzidas pelo “AARON”, passando pelo livro de culinária publicado pelo “Watson”, as obras criadas por computadores de forma totalmente autónoma – isto é, sem a intervenção de um humano – são hoje uma realidade. Nesses casos, porém, coloca-se uma questão: a quem deve ser atribuído o direito de autor sobre tais obras?

Obras Criadas por Computadores

AARON image criado no Museu do Computador, em Boston

Curiosamente, e apesar dos traços tecnológicos desta questão, trata-se de um problema semelhante a outros com que o Direito de Autor já se defrontou. Saber se uma fotografia tirada por um macaco é tutelada por direito de autor – como as autoridades norte-americanas tiveram de apurar em 2014 – ou se textos “psicográficos” (isto é, textos alegadamente ditados por “espíritos do além”) podem ser obras protegidas não é, com efeito, muito diferente da questão de saber se um desenho ou uma música produzidos por uma máquina podem ser abrangidas pela proteção do direito de autor – e, na afirmativa, quem beneficiará em concreto dessa tutela. Há cinco possíveis soluções.

A primeira passa por considerar que o direito cabe ao autor do programa que gera a obra. Os tribunais americanos chegaram a inclinar-se para esta resposta quando, na década de 1980, analisaram casos em que jogos de computador geravam cenários e paisagens de forma autónoma – nessas hipóteses, considerou-se, o direito de autor relativo àquelas imagens cabia ao autor do videojogo. O primeiro argumento a favor desta solução é o de que a obra autónoma seria como que uma “obra derivada” do programa que a gera.

O segundo é o de que o programa poderia ser visto como um “empregado” da entidade que criou o software, devendo-se, assim, aplicar a regra da “obra feita por encomenda”. Contudo, nenhuma destas razões é convincente. Desde logo, a obra derivada tem de conter elementos reconhecíveis da obra base (o que não sucede com a obra gerada por um programa de computador: o código-fonte de que este se compõe não surge nas imagens, textos ou músicas que com base nele são criados). Para além disso, e em regra, quem cria uma obra derivada beneficia de uma proteção autónoma a título de direito de autor, não se atribuindo aquele direito ao criador da obra de base.

Por outro lado, não só o computador não pode ser visto como um “empregado” – não consta que os computadores pretendam, por exemplo, criar um sindicato –, como, mesmo que a analogia fosse viável, a regra em relação à obra feita por encomenda é a de que o direito sobre ela cabe ao trabalhador, não ao empregador.


A segunda solução diz que o direito de autor deve ser atribuído ao utilizador do programa que gera a obra. Contudo, quando o utilizador não faça mais do que dar instruções genéricas ao computador na preparação da obra – ou nem isso –, não se verificam os requisitos de protecção do direito de autor. Este exige que haja um ato de criação, e nestes casos o que se verifica é que a “criação” é toda, ou quase toda, feita pelo computador.

A terceira possibilidade seria a de considerar que a obra gerada por computador cabe, em co-autoria, ao criador do programa e ao seu utilizador. Se, porém, o direito não deve caber isoladamente nem a um nem a outro, por maioria de razão não deve ser reconhecido a ambos em conjunto. A quarta alternativa parte justamente desta última constatação, dizendo que, sendo assim, o direito deve caber ao próprio computador. Isto é: se a lei atribui um direito de autor a quem cria, e se se verifica que os computadores já criam, seguir-se-ia que os computadores deveriam ter um direito de autor. Naturalmente, esta teoria resulta em atribuir o direito, não ao computador, mas ao proprietário do computador.

De todo o modo, é uma solução que não colhe. Por um lado, o computador não poderia reagir contra eventuais infrações do seu direito, nem teria como negociar licenças com terceiros interessados em utilizar a sua obra. Por outro lado, e sobretudo: o direito de autor visa incentivar a criação, surgindo como motivação para os autores produzirem mais obras. Ora, um computador não precisa de incentivos desta natureza. Em princípio, só precisará de eletricidade.

Assim, a última solução é a de entender que, nestes casos, simplesmente não existe direito de autor. Este constitui um exclusivo de exploração económica, que a lei concede a alguém como recompensa pelo seu esforço criativo. Quando uma obra é criada por um computador autonomamente, ninguém tem um tal esforço. A obra pertence, pois, a todos.

 

Por Lourenço Noronha dos Santos, PLMJ TMT

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