Jorge Bento e Maria Beatriz Fernandes em 2022-9-20

ENTREVISTA

Tem A Palavra

“O nosso go-to-market é 100% com Parceiros”

Em setembro, o IT Channel dá a palavra a Ana Rocha de Oliveira, Sales Manager da Red Hat para Espanha e Portugal, que desmistifica o universo do open source, da inovação, e do seu ecossistema de Parceiros

“O nosso go-to-market é 100% com Parceiros”

Ana Rocha de Oliveira, Sales Manager da Red Hat, Portugal e Espanha

É impossível falar na Red Hat, sem falar de open source. Quais considera serem as principais vantagens deste tipo de plataformas?

Há 30 anos, quando nascemos, os nossos fundadores acreditavam que o futuro tinha a ver com a colaboração e que o que sabemos devia ser partilhado, porque consideravam que criava um círculo virtuoso de ‘o que eu sei, dou a vocês, o que tu sabes, dás-me a mim” – este quid pro quo. Criaram a Red Hat com esse fundamento de participar nas comunidades open source entregando o conhecimento sem propriedade intelectual, sem patentes. Os nossos ativos são as pessoas e uma base instalada de clientes que não estão amarrados a nós.

Nessa altura, muita gente se riu a pensar como é que iriam criar um modelo de negócio. A realidade é que, nos últimos anos temos crescido em duplo dígito a nível trimestral, e há quatro anos a IBM decidiu comprar-nos por 34 mil milhões de dólares. O open source é, realmente, uma filosofia. Em Portugal, havia uma menor adoção, que, agora, é cada vez maior.

Os ambientes produtivos estão cada vez mais a ligarem-se ao open source. Acreditamos que o que oferecemos deve estar associado a uma escolha. Obviamente, fabricamos software e os nossos produtos estão na base da comunidade, que dispõe de milhões de projetos, onde todos aqueles que queiram participar, podem participar. Podemos inventar algo, e outra pessoa inventa algo em cima disso e devolve à comunidade. A questão é que é completamente descentralizado, não está entregue a ninguém, e, por isso, não há regulação. Quando chegamos às organizações mais tradicionais, como um banco ou a administração pública, há sempre a questão de como podem entrar neste mundo se não há ninguém para ter a responsabilidade ou dar o suporte.

É aí que entram empresas como a nossa. Acho que fomos pioneiros, mas há muitas outras empresas, atualmente, que o fazem. Nós criamos produtos que não são o máximo da inovação, mas que estão estabilizados e é sobre isso que assenta o nosso modelo de negócio; estabilizar para poder ser consumido por empresas desde um ponto de vista empresarial.

Desde que a Red Hat foi adquirida pela IBM, que tipo de mudanças é que sentiram?

Quando a IBM tomou a decisão notou-se a diferença cultural. Acho que todos respeitam a IBM, é uma empresa com mais de cem anos. Nós somos completamente independentes e autónomos desde o momento que nos compraram. Essa era a grande dúvida para o mercado e para nós também. Somos uma subsidiária do grupo, continuamos a ser Red Hat e temos total independência. É uma empresa com tanta tradição, com tanta história e clientes a nível global, que pensou que realmente poderíamos ser um complemento dentro da inovação.

Segundo os resultados do último trimestre apresentados pelo Arvind Krishna [CEO da IBM], o maior crescimento está em cloud híbrida aberta e inteligência artificial. É engraçado porque estou há sete anos na Red Hat a ouvir falar de cloud híbrida aberta, só que antes éramos mais pequenos, e agora temos um maior músculo. Nós vendemos de forma independente, mas eles incorporam alguns dos nossos produtos líderes de mercado, sobretudo o OpenShift e o Ansible.

A Red Hat endereçava mais clientes corporate, mas aumentaram o espetro. Hoje, já chegam ao SMB?

Sim, atualmente temos clientes de todos os setores em Portugal, e, desde que estou na empresa, ganhámos uma série de clientes mais pequenos. Já nem temos de pensar se é grande ou pequeno, porque temos tecnologia que encaixa em qualquer setor e em qualquer tamanho de empresa. Também é verdade que, nos standards abertos, houve um movimento do mercado, onde eu considero que tivemos um papel importante, e onde os restantes players do mercado também estão a participar. As empresas de telecomunicações e a banca foram dos primeiros setores a adotar, e, atualmente, a adoção na administração pública é alta também. Em Portugal, o que mais noto é que ainda associam muito a Red Hat ao sistema operativo Linux, mas cada vez menos. Essa é a base, o nosso core, mas temos todo um stack até chegar às aplicações.

O Red Hat Linux ainda é o pilar da companhia?

É básico, não só por ser um sistema operativo, mas porque não para de evoluir. Se nós queremos criar um stack de tecnologia que seja aberto e standard, o nosso foco tem de ser criar tecnologia que se possa integrar no ecossistema em tudo o que existe. O sistema operativo é como se fosse o ADN. Já anunciámos o Red Hat Enterprise Linux 9, que, agora, já pode ir até todos os dispositivos edge.

Isso é uma coluna vertebral, mas depois temos pilares muito importantes, como a nível dos containers. Vamos construindo camadas. Atualmente, dentro do que são as tendências do mercado, estamos a ver três grandes pilares: o sistema operativo, toda a parte de arquitetura de containers, e a parte de automação do IT. E colocamos um lacinho com segurança.

Qual é a importância da cloud híbrida para a Red Hat?

Há praticamente 11 anos que acreditamos que o futuro da tecnologia passa pela cloud híbrida, quando na altura se começava a falar de cloud pública. Há empresas que podem perfeitamente funcionar 100% em público, mas, normalmente, são de nova criação, não têm o que se costuma chamar de uma herança tecnológica.

O que acreditamos é que isto é uma evolução; assim como também crescemos e amadurecemos, as empresas também o fazem. Enquanto fabricantes de software, a nossa responsabilidade é criar peças que permitam que as empresas continuem a inovar e a crescer, mas ir incorporando elementos que não sejam disruptivos de um ponto de vista de transformação digital. Para nós, essas arquiteturas devem estar baseadas em cloud híbrida, e acreditámos sempre nisso.

Achamos que o nosso espaço aqui é criar coisas que sejam completamente standard e possam ser consumidas por qualquer um. Portanto, de um ponto de vista puro de arquitetura, para mim, o retalho, a banca ou mesmo a administração pública é mais ou menos a mesma coisa. A diferença está no volume, nos tempos de resposta e nos picos, mas o híbrido, é híbrido.

Nós falamos muito de tecnologia, mas o nosso centro são as pessoas. Se tivermos um ambiente tecnológico que permite a combinação de talentos, de experiência e de tecnologia, vamos todos crescer.

Como tem sido a adoção do Red Hat OpenShift?

É uma plataforma baseada em kubernetes, um top a nível de projetos de comunidade. Um grande propulsor foi a Google e outro fomos nós. Como os projetos são livres, há o círculo virtuoso de que falava de criar e devolver à comunidade. Mas, por outro lado, criamos o nosso sabor, que é a plataforma OpenShift. Essa é uma das coisas em que somos líderes de mercado há muito tempo, de acordo com os analistas. A nível mundial a adoção é altíssima. Dentro do mundo dos containers, estamos a falar de 50% de adoção, sobretudo porque é totalmente aberta e standard.

É como uma cápsula completamente transparente, na qual é indiferente quem está a programar ou a usar a aplicação. Isso dá uma muito maior agilidade às empresas, até de um ponto de vista competitivo. Nesse aspeto, acreditamos que é a plataforma idônea, à parte de que estamos constantemente a evoluir. Se isto é o standard, vamos querer que as nossas aplicações funcionem aqui, em vez de fechá-las, portanto, isso acaba por dar maior liberdade. Obviamente sobre kubernetes, como conceito, mas depois do produto, também, costumam ser produtos sofisticados, mas também é verdade que, falando de talento e das novas gerações, se encontra um espaço comum bonito e inovador.

Com tantos dados a serem produzidos, como é que a Red Hat endereça a segurança?

Antes era muito difícil juntar na mesma reunião o CISO, o responsável de segurança, de redes, de sistemas, porque muitas vezes há silos. Verificámos uma transformação cultural desde que começámos a implementar projetos de cloud híbrida aberta. Podemos criar uma arquitetura brutal de cloud híbrida aberta, mas se não houver um protocolo de segurança, nada funciona. Nós começámos a trabalhar primeiro com a cultura das empresas para mudar o mindset, porque o cliente pode não ter maturidade suficiente, e, muitas vezes, a maior parte dos travões têm a ver com a segurança. A segurança tem de estar garantida; à medida que vamos colocando as camadas, a segurança vai aumentando – o security by design – e com as metodologias pretendidas.

Internamente, temos de ajudar os clientes e as empresas, e normalmente isso é baseado nas melhores práticas. Todos queremos chegar antes, e ter os projetos para amanhã. Há empresas que avançam e têm problemas graves de segurança, e outras que dizem que não e ficam para trás. Esse aspeto para nós é crítico: como criar algo, que esteja seguro. Se conseguirmos demonstrar que podemos automatizar aquilo onde chegamos, e criar de alguma maneira ambientes em que ninguém pode tocar – ou porque há um controlo de perfis, ou porque há uma metodologia de trabalho implementada –, aí conseguimos fazer a cola com que faz que as coisas funcionem. Acho que foi assim que fomos entrando noutros setores e empresas mais pequenas. Todos querem agradar aos seus clientes e o time-to-market é importante.

Quais são os atuais objetivos da Red Hat para Portugal e a respetiva importância dos Parceiros?

Cá em Portugal foi sempre um modelo 100% via Parceiro. O mercado é aberto a isso e nós damos muito valor. Gostamos de cocriar. É verdade que, no passado, talvez por estarmos muito apegados a um sistema operativo e à tecnologia, havia a perceção no mercado de que éramos muito tecnológicos, muito engenheiros, mas acho que, atualmente, isso está a mudar. Temos feito um investimento muito grande a nível global, o que se nota em Portugal porque cada vez temos mais Parceiros e mais empresas curiosas.

Não somos uma empresa especialmente grande e o nosso objetivo sempre foi fabricar software, ajudar à adoção da tecnologia, a manutenção. Realmente, o ecossistema de Parceiros, cada um com as suas competências, é muito importante e, muitas vezes, até acabamos por criar sinergias entre as várias empresas, de diferentes dimensões e setores. É engraçado que, depois, podemos extrapolar casos de uso para outras empresas. Quando olho para aquilo que implementamos, por exemplo, numa rede de hipermercados, ou num parque eólico, a lógica é a mesma. O nosso go-to-market é 100% com Parceiros.

Este ano, a nível de Parceiros, demos formação, e houve um reforço ainda maior para poder escalar mais os cursos e todo o tipo de formação, sem custos inclusive. A nível de clientes, temos também muitas opções e modelos criativos de oferecer por tempo limitado o uso de tecnologia, do produto Red Hat, para experimentar. Nos workshops tentamos mostrar como funciona a tecnologia, que é habilitador da inovação, e que não é nada sem as pessoas e sem o conhecimento do mercado; são elas que contribuem para que as empresas tenham êxito.

Há um desafio muito grande que tem a ver com o movimento de talento, sobretudo depois da pandemia, em Portugal e Espanha. As pessoas estão a ver grandes oportunidades de trabalho lá fora, e, aqui, temos vários clientes, que até já avançaram imenso para os novos modelos híbridos, e estão a ter dificuldades nesse aspeto.

O que diz a bola de cristal em relação ao mercado português?

Acho que pode haver projetos muito pequenos que também aportam muita inovação. O futuro passa muito por tudo o que formos capazes de desenvolver a nível do ecossistema de mercado.

Todos nós temos uma grande responsabilidade a nível da segurança, portanto, podemos inovar o que quisermos, mas a base está em proteger as pessoas.

Além disso, mas acho que já nem é bola de cristal, o edge computing é evidente e já está aqui. A tecnologia às vezes é viável, mas o modelo ainda demora e é preciso amadurecer. Basta ver com o número de unicórnios que apareceram nos últimos anos. Somos poucos, mas muito inovadores. A grande vantagem, atualmente, é que o volume dos países já não é significativo. Eu gostaria de, em Portugal, desmistificar de alguma maneira que o facto de sermos um país com empresas mais pequenas, não quer dizer que não sejam inovadoras. Se calhar a nível tecnológico somos mais tradicionais, mas é normal. Atualmente, a nossa marca está muito associada ao sistema operativo, mas há mais do que isso e essa é a nossa responsabilidade junto do ecossistema que estamos a criar para conseguir fazer crescer a Red Hat.

Obviamente que os projetos às vezes podem parecer utópicos, mas há 30 anos também parecia utópico ter um modelo de negócio baseado em open source. Nós acreditamos nisso, na transparência e na colaboração.

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