Ana Rocha, Advogada da CCA em 2020-10-21

OPINIÃO

Legal

Nas redes

A presença das redes sociais nas nossas vidas tem assumido, gradualmente, um peso cada vez maior, existindo vários alertas para a sua potencial toxicidade pela forma como têm sido alterados negativamente comportamentos e a forma como nos relacionamos, como consumimos informação, partilhamos conteúdos e entendemos o mundo que nos rodeia

Nas redes

Ana Rocha, Advogada da CCA

A proliferação de fake news com vista à manipulação designadamente com fins políticos, atentando contra a liberdade de expressão e de acesso livre à informação, a par do aumento dos níveis de adição, ansiedade e depressão e o impacto destas tecnologias na educação e formação das crianças são, cada vez mais, fenómenos alvo de preocupação. Por outro lado, os modelos de negócio destes serviços da sociedade da informação têm-se tornado cada vez mais complexos e intrincados assentando sobretudo em dados pessoais.

Muitos, múltiplos e variados dados pessoais tratados com base em sofisticados algoritmos e técnicas de inteligência artificial o que pode dificultar a compreensão sobre o que nos é apresentado e porquê. O recente documentário da Netflix “The Social Dilemma” abordou este tema apontando especialmente este lado mais negro – é interessante ver. A Internet permite saber e aceder a “tudo”, abriu o mundo, quebrou barreiras, aproximou pessoas. Uma ferramenta poderosa que poderá voltar-se contra nós?

É neste contexto de discussão que foram publicadas as “Guidelines 8/2020 on the targeting of social media users” pelo Comité Europeu para a Proteção de Dados, um organismo europeu independente que contribui para a aplicação de regras em matéria de proteção de dados na União Europeia e promove a cooperação entre as diversas autoridades de proteção de dados. Estas orientações têm como grande objetivo definir o papel e a responsabilidade dos vários atores intervenientes no processo de targeting nas redes sociais em linha com as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia nos processos Wirtschaftsakademie (C-210/16), Jehova’s Witnesses (C-25/17) e Fashion ID (C40-17). Na verdade, o tratamento de (múltiplas) categorias de dados, a forma como é obtida essa informação e os propósitos levados a cabo pelos prestadores de serviços de redes sociais e os anunciantes quando usam diversos mecanismos de targeting para promoção de produtos, serviços, instituições e ideias poderão levantar riscos para os direitos e liberdades das pessoas.

Os utilizadores poderão ser impactados por campanhas comerciais com base não só na informação que forneceram, mas também em dados recolhidos por observação ou por inferência, designadamente quando se recorre a práticas de tracking que monitorizam o comportamento dos utilizadores através de vários websites, plataformas, equipamentos ou com recurso a ferramentas de localização. o que exponencia o seu grau de intrusão.

Acresce que a combinação desta informação poderá, muitas vezes, apresentar carácter sensível ao revelar (ou permitir inferir, de forma precisa ou não) por exemplo opiniões políticas, convicções religiosas, filosóficas ou estados de saúde o que exige especiais cuidados e determina que, com maior relevância, seja avaliado se o tratamento em causa será lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados o que incluirá proceder a uma avaliação ética. Por outro lado, a publicidade é fundamental e a personalização de anúncios e conteúdos com base nos interesses e necessidades de cada um tem inúmeras e evidentes vantagens e benefícios. E é assumindo que deverá existir um equilíbrio entre estas “forças” que parece ser fundamental estabelecer princípios e definir critérios para que seja possível alocar responsabilidades e aumentar a transparência- ainda que esta pareça uma tarefa hercúlea de definir e pôr em prática! Para que a culpa não morra solteira!

As “Guidelines 8/2020 on the targeting of social media users” estão em consulta pública até ao dia 19 de outubro de 2020. Parece importante atualizar o nosso feed e olhar para estes temas com atenção. Sob pena de sermos “apanhados nas redes” e do nosso mundo ficar, afinal, mais pequeno e injusto. 

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