Jorge Bento em 2025-4-09

BIZ

Trump suspende tarifas: mas há luz para além da dor?

Na atual “Tariff War” travada por Donald Trump contra o mundo, o episódio de quinta-feira marcou uma suspensão de tarifas por 90 dias. Não nos iludamos – isto é apenas uma pausa no conflito.

Trump suspende tarifas: mas há luz para além da dor?

(crédito: AdobeStock| EdvvinStudios)

 

Donald Trump anunciou esta quinta-feira uma pausa nas tarifas recíprocas para todos os países, com exceção da China, mantendo a tarifa mínima de 10% durante 90 dias.
É, sem dúvida, um recuo em resposta à pressão externa, mas também aos sinais de descontentamento vindos dos seus próprios aliados no Congresso.

Mas este recuo é provavelmente táctico; nada leva a crer que, estrategicamente, tenha existido uma mudança. A Casa Branca continua a acreditar que as tarifas resolvem um problema de défice federal e promovem a reindustrialização americana.

Ao impor taxas de importação de 120% a produtos provenientes da China (com exceção dos chips), o alvo é claramente o mercado norte-americano, mas as consequências vão muito além das fronteiras dos EUA. A Europa, aberta e dependente de cadeias globais, será uma das regiões a sentir o impacto — mesmo sem estar diretamente visada.

Apple, Dell, HP e Cisco estão entre as empresas mais afetadas. Segundo o Morgan Stanley Research, este pacote de tarifas coloca estas tecnológicas num “cenário perde-perde”. Diversificar a produção deixou de ser uma alternativa viável, já que países como o Vietname, a Tailândia ou Taiwan também estão incluídos nas novas e  tarifas — em parte porque são acusados pelos norte-americanos de serem meros pontos de "assemblagem" da fabricação chinesa de hardware.
 

Se os fabricantes absorvessem os custos, isso colocaria em risco as margens de lucro. No caso da HP e da Dell, o Morgan Stanley estima que isso significaria a totalidade do net income destas empresas.

Transferir a produção para os EUA seria uma operação de centenas de milhares de milhões de dólares, com enormes riscos políticos e operacionais — e demoraria muitos anos. Conclusão? “Nos Estados Unidos, aumentar os preços é o único caminho viável”, alerta o relatório.

Mas, no complexo circuito da distribuição de hardware de IT, a Europa compra pouco diretamente aos EUA, mesmo de marcas americanas. Os produtos vêm especialmente do Sudeste Asiático ou da América Latina, pelo que não são diretamente afetados pela taxação alfandegária. A probabilidade, portanto, é que um produto de um fabricante americano seja 10 a 20% mais caro na terra do Tio Sam do que em Lisboa.

Europa: o maior mercado do mundo

Os 20 biliões de dólares que valem a Europa alargada — UE + Reino Unido + Suíça e Noruega — fazem dela, de facto, o maior mercado mundial, algo que, claramente, irrita o presidente norte-americano.

No mercado de IT não é exatamente assim, mas nenhum fabricante pode dispensar os 530 milhões de almas que vivem no Velho Continente.

A questão é que as empresas não aumentam preços apenas num país. Para compensar perdas nos EUA, as multinacionais irão, muito provavelmente, aplicar ajustes globais. A IDC, no seu Worldwide Quarterly Device Tracker, já antecipava uma pressão ascendente sobre os preços médios dos PC e dispositivos móveis em 2025, contrariando a tendência de deflação tecnológica do pós-pandemia. A Canalys, por sua vez, alertava em janeiro para os “riscos geopolíticos acrescidos” como fator a ter em conta nas previsões de vendas para a EMEA.

A Europa, neste contexto, está numa posição ingrata. É um mercado estratégico, mas com margens mais apertadas do que os EUA, e com menor capacidade de absorção de aumentos súbitos. O Canal será o primeiro amortecedor: veremos menos promoções, menores incentivos ao Parceiro, cortes em campanhas de marketing cooperado e, em último caso, aumentos diretos nos preços finais. Produtos de gamas profissionais — portáteis, workstations, switches, servidores — serão os mais expostos.

Mais preocupante é o efeito sobre a disponibilidade. A reorganização da produção global poderá levar à descontinuação de modelos ou a atrasos nas entregas, com consequências reais para integradores e MSP que operam em ciclos de projeto apertados. No sul da Europa, onde a pressão sobre margens já é alta, isto pode ser o ponto de rutura para muitos revendedores.

Este cenário exige ação. Exige que os decisores de IT e os responsáveis de compras estejam atentos ao timing de aquisição, que os Parceiros de Canal se reforcem na comunicação e na gestão de expectativas com os clientes, e que os distribuidores revejam as suas previsões de stock e pricing. Pode também ser uma oportunidade para os fabricantes com produção regional — ou os europeus — se posicionarem como alternativas mais previsíveis e seguras.

O copo meio cheio: pode haver uma nova luz sobre o mercado europeu das IT?

Há, porém, outra leitura possível do cenário atual do mercado de IT europeu — uma visão com uma componente otimista a médio prazo. Esta perspetiva sugere que as pressões comerciais nos EUA poderão levar os gigantes tecnológicos norte-americanos a reforçar o investimento na Europa, tanto em infraestruturas como em produção e operações, como forma de compensar as perdas no mercado doméstico.

Além disso, há quem aponte para uma janela de oportunidade para o renascimento de uma indústria regional europeia de hardware, com base numa cadeia de fornecimento híbrida: componentes e know-how oriundos da Ásia, mas com incorporação e montagem local, valorizando a produção europeia. Isto poderia não só mitigar os riscos geopolíticos, como também criar vantagens competitivas no contexto das exigências de proximidade, sustentabilidade e segurança.

Seria, nesse caso, uma espécie de “restart” das ambições europeias no hardware de IT, que falharam na última década do século passado — mas agora com novas condições de mercado, nova consciência estratégica e um enquadramento político mais favorável, que valoriza a autonomia tecnológica e a resiliência económica.

Se este cenário se confirmar, poderá representar não apenas uma resposta à crise, mas um ponto de viragem para o papel da Europa na cadeia global de valor do setor tecnológico.

ARTIGOS RELACIONADOS

Guerra aberta: China anuncia medidas contra Google e aumenta tensão com EUA
BIZ

Guerra aberta: China anuncia medidas contra Google e aumenta tensão com EUA

LER MAIS

Recomendado pelos leitores

DXC Technology anuncia novo diretor-geral para Portugal
BIZ

DXC Technology anuncia novo diretor-geral para Portugal

LER MAIS

Trump recua nas tarifas sobre tecnologia chinesa
BIZ

Trump recua nas tarifas sobre tecnologia chinesa

LER MAIS

Kyndryl reforça Parceria com Google Cloud para acelerar modernização de mainframe
BIZ

Kyndryl reforça Parceria com Google Cloud para acelerar modernização de mainframe

LER MAIS

IT CHANNEL Nº 116 ABRIL 2025

IT CHANNEL Nº 116 ABRIL 2025

VER EDIÇÕES ANTERIORES

O nosso website usa cookies para garantir uma melhor experiência de utilização.